O programa “Conversa em Dia” da TCV, do passado dia 28 de Maio, ao qual tive a grata surpresa de ser convidado, provou algumas coisas que já sabíamos, nomeadamente, que não é possível, em apenas uma hora, debater Praia de Santa Maria – Capital.
De todo o modo, ter-me-á sido possível deixar algumas pinceladas sobre a história recente do desenvolvimento do concelho da Praia, que entendo serem fundamentais para se perceber o porquê de a nossa capital ser a porcalhota que é e, sobretudo, o que fazer para que ela se transforme, no futuro, na urbe que deve ser e da qual possamos, todos, nos orgulhar.
Evidentemente, sendo urbanístico o principal problema da Praia, seria esperável que os cidadãos directamente responsáveis pelo planeamento e gestão urbanística da CMP tivessem honrado os praienses com a sua presença no dito programa, mas presumo que o evento não era de gabarito suficiente para dele participarem. Pena.
Pena porque o meu estimado e sempre afável colega Alberto Melo obviamente nunca conseguiria se afastar do âmbito das suas funções na equipa camarária e consequentemente, não deu as justificações que se impunham para o estado urbanístico lamentável da cidade, hoje. Deixou, no entanto uma confissão interessante: A CMP não é capaz de controlar as construções clandestinas. E agora advoga a tese de que nunca será possível fazê-lo sem a ajuda do governo central.
Ora, tendo actual Presidente da CMP ganho as eleições em 2008 com o lema “Praia tem solução” e voltado a ganhar em 2012 sob o slogan “Ulisses pa continua ta trabadja”, o que fazer desta confissão? É esta a tal solução?
Tenho sido, reconheço-o, um crítico severo da gestão do PAICV na Praia, entre 2000 e 2008. Essencialmente porque nunca demonstrou vontade em definir uma estratégia visionária do desenvolvimento do concelho e também porque infelizmente não soube, ou não quis, ou não pode cortar cerce os graves vícios na governação do concelho que herdou em 2000. Pelo contrário, deu continuidade e agravou tais vícios, aceitando ser mera montra de empreendimentos imobiliários privados ilegais, e com isso mandou às urtigas a imparcialidade de que uma Câmara municipal confiável deve sempre dar mostras.
Porém, é de elementar justiça deixar claro que cabe ao MpD, de longe, a maior quota da responsabilidade pelo estado lamentável da nossa capital, seja porque coube-lhe dirigi-la por mais tempo, seja porque ao contrário do PAICV, sempre dispôs de poder absoluto na Assembleia Municipal (o PAICV apenas gozou desse privilégio no seu segundo mandato) e seja porque entre 1991 e 2000 tomou decisões gravíssimas na gestão dos solos da cidade, selando a esta um triste destino .
Senão, vejamos:
- Ao criar duas ZDTI na rota natural da expansão da cidade a norte e a ocidente, o MpD abriu a porta para o princípio perverso da existência de resorts dentro da cidade. Ora, os resorts são sempre urbanizações fechadas e muradas. E dentro da cidade apanham a boleia da infraestruturação desta, acabando por parasitá-la.
- Ao declarar, em 1994, nulos os excelentes planos urbanísticos da TecnoTrasnfer, para o Palmarejo e Achada de S. Filipe (elaborados pelo Governo de Pedro Pires) com o argumento de que já não eram necessários porque se ia elaborar o PDM, o MpD abriu a porta para o descalabro que se tornou a gestão desses dois bairros. Obviamente, sem planos eficazes a controlar o seu desenvolvimento, foram se descaracterizando, perdendo quase todos os espaços de encontro e de lazer, muitos deles vendidos pela própria CMP ou alvo de gestão urbanística paralela por parte de privados.
- Ao não dar total prioridade à feitura do PDM em 1994, com financiamento da União Europeia, a CMP do MpD cedo perdeu a possibilidade de implementar o Plano da Salvaguarda do Plateau (PSP) e com isso nunca mais teve mão sobre essa parte mais antiga e mais nobre da capital. O PSP, para poder ser viável, exigiria um PDM eficaz, capaz de diminuir a pressão especulativa sobre as zonas urbanisticamente já consolidadas, mediante a criação de novas centralidades e de mais solo urbano.
- Mais grave ainda, ao falhar na feitura do PDM e não ter justificado um destino justo aos dinheiros europeus, o MpD criou o precedente de até hoje nenhum Presidente da CMP ser obrigado a responder pelos dinheiros que a cidade já gastou (mal) na feitura desse mal-fadado PDM. Vinte e um anos depois, deixo aqui um repto ao Tribunal de Contas para nos provar que ainda não se gastaram 100.000 contos nesta saga do financiamento do planeamento da capital…
- Em 1998-99, a CMP do MpD invalidou criminosamente o plano do Palmarejo de Baixo, onde se previa a construção de um valioso parque da cidade. Nem sequer fez um esforço para adquirir tais terrenos por 35.000 contos…
- Nesse mesmo ano, a mesma CMP do MpD não conseguiu nem um pequeno crédito bancário para adquirir os terrenos da Cidadela por 40.000 contos…
- Estranhamente, nem o Instituto do Fomento da Habitação (IFH, que na altura tinha muito dinheiro) apareceu para comprar e colocar sob o domínio do Estado por míseros 75.000 contos, esses dois terrenos vitais para a gestão imediata do crescimento da cidade.
- Mais estranho ainda foi ver, mais tarde, o próprio ex-presidente da CMP, autor de todas essas decisões inexplicáveis de subtracção de vastas extensões de terreno à cidade, aparecer na televisão pública, em horário nobre, na condição de procurador dos (novos) donos italianos, a assinar o contrato da venda dos terrenos da Cidadela à empresa imobiliária que viria a fazer o respectivo desenvolvimento urbanístico…
Muito mais se pode dizer do estilo e das consequências da “gestão“ feita pelo MpD na Praia nos dois terços do tempo decorrido desde 1991 até hoje. E eu, entre 2008 e 2010, ainda tive esperanças de que o MpD, sob a batuta de Ulisses, emendaria e melhoraria o seu registo em termos de transparência.
Ledo engano… Dos finais 2010 a esta parte a gestão urbanística que se tem praticado na Praia tem sido a mais corrupta de sempre.