Cidade da Praia: Que futuro? (5)

Então, perante este quadro desanimador da capital de Cabo Verde, o que fazer?

Estou persuadido de que importa mais falar das oportunidades que se apresentam à frente de toda a região metropolitana. A primeira dessas oportunidades, embora pareça insignificante, é o facto de à frente das respectivas autarquias estarem três presidentes de um mesmo partido político, o PAICV.

Não devemos esquecer que, nesta 2ª República, dos oito mandatos autárquicos conferidos pelos praienses aos dois partidos do arco da governação, 5 foram do MpD e 3 do PAICV. Ou seja, o MpD governou a Praia por muito mais tempo. E com uma vantagem determinante: Em todos os seus mandatos dispôs de maiorias absolutas tanto na Câmara Municipal como na Assembleia Municipal.

Entretanto, o PAICV apenas entre 2004 e 2008 e entre 2020 e 2024 teve tal vantagem. Entre 2000 e 2004 apenas dispôs de uma maioria relativa e entre 2020 e 2024 simplesmente não conseguiu fazer funcionar a maioria absoluta conseguida à tangente nas urnas, por ter perdido o controlo de um dos seus vereadores. A este tópico regressarei num dos próximos textos. Por ora direi apenas que o MpD foi muito eficaz em conseguir capturar esse vereador do PAICV (muito por culpa da cúpula dirigente deste último) e assim conseguiu inviabilizar completamente a governação de Francisco Carvalho.

Ora, se mesmo com o controlo político absoluto dos municípios da Praia, S. Domingos e Ribeira Grande entre 2008 e 2020, o MpD não quis ou não soube abrir novas e melhores perspectivas de desenvolvimento para esses municípios, antes pelo contrário consumou a sabotagem da nossa capital que iniciou na década de 1990, tenho para mim que o trabalho que Francisco Carvalho, Isaías Varela e Nelson Moreira já fizeram, apesar dos inúmeros obstáculos, para ir buscar o desenvolvimento integrado e sustentado de todo o território sob sua responsabilidade é, em si mesmo, um facto louvável. Porque é sabido e incontestável que as regiões do interior destes três municípios são das mais pobres e atrasadas de Cabo Verde, apesar de estarem geograficamente tão próximas da capital.

Importa, pois, que os munícipes da Praia, S. Domingos, e Ribeira Grande continuem a confiar ao PAICV o controlo absoluto destes três municípios até 2032, no mínimo, seja por uma questão de justiça histórica (necessidade de se igualar o número de mandatos – 3 – em que o MpD simultaneamente esteve à frente desses três municípios, para se poder ter bases justas para comparar o desempenho de ambos), seja porque dos dois partidos do arco da governação, o PAICV historicamente foi aquele que prejudicou menos a capital por ter sido muito mais tímido na sabotagem que foi feita, por um lado, e por outro, por ser aquele que consistentemente mostrou maior preocupação e cuidado com a cidade, tendo investido nela muito mais do que o MpD (Circular da Praia, aterro sanitário, novo porto, novo aeroporto, habitação social e asfaltagem das principais vias nacionais e municipais, entre outras infraestruturas).

Com efeito, em todos estes anos de 2ª República não existem registos de qualquer investimento estruturante sério na região metropolitana da Praia que o MpD tenha feito, apesar de, repito, ter estado mais tempo tanto à frente dos três municípios, como à frente do Governo da República (4 mandatos contra 3 do PAICV). Sem esquecer ainda que esse partido, quando ganhou o controlo absoluto da capital em 2008, já tinha totalmente sob sua autoridade os municípios de S. Domingos e da Ribeira Grande, desde a sua criação. Em suma, o MPD, no poder, mostrou sempre muito mais determinação em inviabilizar a capital do que em a defender.

E, na Praia, infelizmente, o que existe como obra feita pelo MpD são monumentos à incompetência, corrupção, irresponsabilidade, vergonha nacional e impunidade, como o Mercado do Coco. Ou parcerias público-privadas de duvidosa transparência, em que o interesse público sempre saiu a perder, como aconteceu, por exemplo, em Kebra Kanela. Ou como vem acontecendo na Gamboa.

Os actuais autarcas do PAICV precisam, pois, ser mantidos e ter reforçadas as suas maiorias nas Câmaras e Assembleias municipais porque sou, pessoalmente, testemunha da determinação, visão estratégica e coragem que têm demonstrado, permanentemente açoitados por um Governo central muito hostil. Cientes da complexidade e dificuldade desse processo de integração regional da qual depende a viabilidade da Praia como capital, foram iniciando, nos últimos três anos, todos os processos técnicos e tecnológicos que são os alicerces da transformação radical que precisa acontecer de maneira harmoniosa em todo o território sob o seu comando, e que é absolutamente necessária para o resgate de uma capital condenada.

Daí a inevitabilidade da sociedade de desenvolvimento regional (SDR) que estes três autarcas do PAICV estão a preconizar e na qual vimos trabalhando, deixando desde já claro que com a configuração territorial actual, a criação de riqueza através do planeamento integrado dos três municípios irá acontecer essencialmente nos territórios de S. Domingos e da Ribeira Grande. Isto significa que o Município da Praia já não será, em termos económicos, o maior beneficiário da expansão em qualidade da capital de Cabo Verde.

Muitas são as vantagens desta SDR em gestação na região mais importante e mais rica do país, um empreendimento cujo sucesso poderá inverter completamente a lógica que tem presidido a toda a política de ordenamento do território nesta 2ª República, que preconiza a balcanização, sem critérios sérios, das nossas pequenas ilhas. E, naturalmente, com um potencial de ser replicado noutras ilhas do país com mais do que um município.

A primeira vantagem deriva do facto de ela obrigar o Governo central e os municípios à mais estrita e leal colaboração, pois serão os seus principais acionistas, nos termos da Lei das Sociedades de Desenvolvimento Regionais. Não haverá, pois, margem para um Governo central não apoiar o processo sem ficar muito mal na fotografia.

A segunda vantagem de uma SDR prende-se com a elaboração, blindagem e, sobretudo, a implementação lógica e natural de todos os instrumentos de gestão territorial (IGT) sem interferências indevidas ou pressões especulativas. Ainda hoje, infelizmente, tais instrumentos (Plano Director Municipal, Planos Urbanísticos e Planos Detalhados) são extremamente vulneráveis em Cabo Verde, podendo facilmente ser ilegalmente mexidos pelos eleitos políticos, muitas vezes para fins inconfessáveis e em detrimento do interesse público, como fomos testemunhando no Município da Praia ao longo desta 2ª República, para vergonha nossa. Com uma SDR, o máximo que um recém-eleito Presidente de Câmara Municipal pode fazer é mudar o representante do seu município no Conselho de Administração da mesma onde, sozinho, nunca poderá alterar o que quer que seja nos IGT sob responsabilidade dessa sociedade.

A terceira vantagem de uma SDR é o facto de permitir economias de escala muito grandes. Desde logo, pela criação de um Gabinete Técnico Intermunicipal, que permitirá um controlo efectivo e centralizado de todas as directivas de desenvolvimento territorial que forem aprovadas nos IGT e que, igualmente, poderá responder muito melhor pela correcta aplicação dos recursos técnicos, tecnológicos e humanos colocados, neste caso em apreço, ao serviço da região metropolitana. Neste momento, se própria CMP se debate com problemas muito sérios em termos desses recursos, nem falaremos da penúria, a todos os níveis, por que passam os municípios de S. Domingos e da Ribeira Grande, justamente eles que ficaram responsáveis pela proteção e gestão de mais de três quartos do território do antigo concelho da Praia.

A quarta vantagem de uma SDR é o facto de, enquanto entidade financeira que é, constituir o melhor e o mais transparente canal para a atracção e aplicação do investimento externo. Bastará ao investidor estrangeiro (ou nacional) comprar acções da SDR que esta oportunamente colocará à venda nas Bolsas de Valores e ter, automaticamente, garantias superiores seja da aplicação do seu dinheiro, seja da rentabilidade do mesmo.

A quinta vantagem de uma SDR se prende com o conforto e proteção que Cabo Verde como Nação precisa dar aos donos do principal recurso, o solo. Aliás, conviria que estes fossem incluídos desde o início na constituição das SDRs, como sócios fundadores, devidamente ponderadas as dimensões das suas propriedades. Isso permitirá que eles e os seus descendentes tenham paz e uma justa participação nos futuros fluxos de caixa gerados pelo desenvolvimento urbanístico dos seus terrenos, por oposição ao figurino actual, no qual o Governo de Cabo Verde vem operando como um autêntico burlão, sobretudo nas ZDTIs, onde o que tem feito é dizer ao dono do terreno “Olha, toma este SAQUINHO DE OURO e cala-te, porque quero ser eu a explorar, sem ti, a MINA DE OURO que é o teu terreno.” (Todos sabemos que um terreno com potencial turístico é uma mina de ouro inesgotável se for gerido com competência e sabedoria, por um lado. E por outro, mesmo na efectiva entrega do tal saquinho de ouro o Governo central tem falhado gravemente).

No caso da região metropolitana da Praia, estamos naturalmente a falar de muitas outras valências além do turismo. E, se dos pontos de vista morfológico, geológico, geográfico ou cénico, nem todos os terrenos têm o mesmo valor, todos terão um peso decisivo no desenvolvimento harmonioso do conjunto do território e na qualidade de vida das respectivas populações. De modo que apenas uma SDR pode garantir a colocação equitativa e harmoniosa das benfeitorias urbanísticas sobre o território e, consequentemente, uma mais justa distribuição dos rendimentos aos respectivos donos e descendentes, independentemente do uso concreto que o desenvolvimento sustentável do território vier a impor às suas propriedades.

A sexta vantagem da SDR que estes autarcas do PAICV estão a preconizar é o facto de ela ter o potencial de, finalmente, corrigir um dos maiores erros estratégicos da 2ª República, quiçá parte integrante da sabotagem à capital, que é o de imaginar o desenvolvimento da ilha de Santiago sem um aeroporto verdadeiramente internacional, capaz de receber aeronaves de qualquer tamanho. A única ilha em Cabo Verde que merece, pelo peso dos factos e das estatísticas, ter tal aeroporto, é Santiago. Mesmo o hub aeroportuário que hoje se está a implementar no Sal, faria mais sentido e teria muito maior viabilidade se fosse na ilha onde vive mais da metade da população do país.

O actual aeroporto da Praia tem deficiências muito graves e insolúveis, a saber, 1) uma pista com apenas 2100 metros de comprimento, 2) uma servidão administrativa que compromete tanto a segurança do Porto da Praia, a sul, como o vasto potencial de desenvolvimento turístico e urbanístico da região de Móia-Móia, a norte, e 3) uma localização geográfica no extremo oriental da região metropolitana da Praia.

É de capital importância pensar um aeroporto novo, que resolva todas as deficiências do actual e que, ao mesmo tempo, funcione com um dos centros nevrálgicos de um estruturante esquema de mobilidade urbana e regional, vital para o desencravamento e desenvolvimento da Ribeira Grande e de S. Domingos, em particular, e de toda a ilha de Santiago, em geral. E que, de quebra, liberte um terreno valioso de que a capital certamente saberá fazer um bom uso, em benefício dos praienses e não de interesses privados.

A sétima vantagem desta SDR no sul de Santiago é a garantia que a ENAPOR precisa ter (e que a CMP de Francisco Carvalho já garantiu) na implementação do Plano Director do Porto da Praia, que preconiza a construção do Terminal de Cruzeiros da Praia no Ilhéu de Santa Maria, único local na nossa baía, segundo essa instituição, capaz de albergar tal infraestrutura. Sabendo que o potencial turístico de Santiago se encontra largamente negligenciado, a construção de um decente terminal de cruzeiros devia ser prioridade absoluta do Governo central. Em vez disso, o Gabinete do actual Vice-Primeiro Ministro tem vindo abertamente, há mais de 3 anos, a tentar forçar a CMP e a ENAPOR a comprometerem o futuro desse turismo em Santiago pela inviabilização desse terminal e, potencialmente, do próprio do Porto da Praia, mediante a aprovação de um projecto de loteamento (já aprovado e muito acarinhado pelo Governo do MpD) que visa inventar um aterro de mais de 5 hectares dentro do mar para a produção de 5 lotes para multinacionais da hotelaria.

E neste momento (enquanto os turistas que nos visitam nos navios de cruzeiro desembarcam ao lado de contentores sem condições mínimas de conforto e segurança, prejudicando o funcionamento do Porto e obrigando a Enapor a pagar por cada dia que os navios de marinha mercante ficam parados a esperar ao largo, dada a prioridade que têm os navios de cruzeiro), permanece o jogo de braço surdo para ver quem prevalece e o desfecho é fácil de imaginar se Francisco Carvalho não for reconduzido à frente do Município.

Evidentemente, muito do que está em jogo na nossa pequena e linda baía passa pela definição do futuro do Djeu, tema que necessariamente tratarei num dos próximos textos.

Praia, 17 de Setembro de 2024

(continua…)

(Este texto foi originalmente publicado no Jornal “A Nação”, nº 891, de 26 de Setembro de 2024).

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